sexta-feira, 23 de novembro de 2012




Afinal, somos racistas?


Cabrochas - Iara Teixeira



No dia 20 de novembro se comemora, no Brasil, o Dia da Consciência Negra. Nessa data morreu Zumbi dos Palmares, em 1695, e foi escolhida para lembrar a resistência dos negros à escravidão de forma geral, e a luta contra o preconceito e a discriminação. Afinal, os quilombos representavam a resistência ao sistema escravista e, neles, se mantinha a cultura africana e, por essa cultura e pela liberdade do seu povo foi que Zumbi lutou até a morte.  

Os brasileiros, com seu jeitão descontraído e alegre, costumam dizer com orgulho, que não são preconceituosos. Se fizermos algumas perguntas mais capciosas, talvez esse preconceito que costuma ser negado venha à tona e denuncie que, sim, somos preconceituosos.

Por exemplo, se perguntarmos como as pessoas vêm os homens negros, certamente boa parte delas dirá que são sensuais, bem dotados, bons reprodutores. Ou então, falarão sobre a imagem do malandro, do ladrão, do traficante. Sobre as mulheres negras, logo surgirão imagens de belas mulheres, com corpos esculturais, sensuais, sedutoras, tão exploradas pela mídia e pelas propagandas. Podem também ser lembradas como empregadas domésticas ou como as funkeiras que dançam sensualmente, abaixando-se até o chão.

Isso se explica, em parte, devido ao período da escravidão, onde os homens eram direcionados para os trabalhos na lavoura e os mais novos, mais fortes e até mesmo melhores dotados eram usados como garanhões reprodutores. As mulheres faziam todo o trabalho doméstico, além de amamentarem e cuidarem dos filhos das sinhás e as mais bonitas, geralmente eram abusadas pelos seus “senhores”; ou então, os seduziam com seus encantos, como um artifício de sobrevivência. Daí, simplificadamente, surge o estereótipo do homem bem dotado e mais sensual, assim como o da mulher sedutora, fogosa, pronta para o sexo, até mesmo em troca de bens ou de dinheiro. Com a abolição da escravidão nada foi feito para inserir os ex-escravos na sociedade e o que lhes restou foram os trabalhos subalternos e domésticos, mal remunerados e sem direito ao estudo e ao conhecimento, como se fosse uma extensão do período de escravidão. Essa situação perdura até hoje, embora em meados do século passado começaram a surgir alguns movimentos em prol de mudanças nessas relações.


O senhor das terras adentrou na senzala,
e ordenou que a escrava recém-chegada
fosse, naquela noite, esquentar seu corpo,
ainda moço e pleno de volúpia retesada,
enquanto a sinhá pernoitava noutra plaga.

 

De lá para cá, devido à luta empreendida por esses movimentos, os negros começaram a encontrar algumas oportunidades de estudo ou de trabalho e, gradativamente, alguns poucos conseguiram destacar-se, ainda que timidamente, na sociedade. Só que, até os dias atuais, muitas pessoas ainda sofrem gestos ou atos de preconceito e discriminação embora, atualmente, existam leis de proteção aos oprimidos. Muitas vezes as pessoas agredidas ou humilhadas não fazem valer os seus direitos e os agressores ficam com a sensação da impunidade.

Se não houvesse mais preconceitos, não haveria necessidade de destacar um dia do calendário para comemorar essa data, já que nem se pensaria em qualquer tipo de desigualdade entre as pessoas de pele branca, preta ou de qualquer outra cor. Os negros ainda são vistos, por muitas pessoas, como pessoas inferiores, com menos caráter, prontas para se dar bem a qualquer custo, sem levar em conta que grande parte dos bandidos que cumprem penas atrás das grades, outros procurados pelos seus crimes e muitos impunes por aí, têm a pele branca, diploma pendurado na parede e são bem relacionados socialmente e até usufruem das benesses de mandatos políticos, conseguidos através do apoio e do voto popular.  

Diante de tudo isso, podemos constatar a importância das comemorações nessa data, para a reflexão e a conscientização da importância do povo africano e de sua cultura na formação cultural do povo brasileiro. Essa influência é clara nos quesitos religião e gastronomia, mas existem também os aspectos políticos e sociais que fazem parte desde sempre da vida brasileira. E o reconhecimento do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, como um dos heróis brasileiros é mais do que justo, pois ele é, entre outros ainda não reconhecidos, um dos verdadeiros heróis que se impuseram, pela bravura, consciência e perseverança, na formação da história nacional.






4 comentários:

  1. Zeca, existem acontecimentos da nossa história que a maioria dos brasileiros não tem conhecimento. Os quilombos existem até hoje e lá moram filhos dos filhos dos filhos de escravos fugidos e que recentemente entrevistados, esses descendentes não sabiam a história dos quilombos. Uma coisa surreal para nós, mas parece que, dividem a terra, cultivam e vendem/comem o que a terra dá, sem questionamentos. Algo parecido com os jovens brasileiros, que também nao querem saber de nada do passado. Fico pensando se eles é que estão certos. De que importa o passado daqui para frente?
    Meu tio-avó integrou uma turma de fazendeiros que sete anos antes da abolicão da escravatura, em 1881, fizeram pressão para o Brasil assinar a escravatura. Por acaso foi a princesa Isabel - ela era a única presente diante de tantas pressões dos barões do café, que o Brasil decidisse algo que no mundo já haviam resolvido. E ela entrou para a história. O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravatura, mas por quê? Os escravos não queriam... eles queriam ter onde comer, pois já não existiam mais lavouras para eles. Eles eram bons com a cana de açúcar, mas com a colheita do café, os imigrantes que chegavam ao Brasil eram mais competentes que os escravos negros. Foi a partir da comparação com outros trabalhadores, que o negro criou fama de indolente.
    O ranço do preconceito de cor passa de geração a geração e os pais precisam tomar muito cuidado com o que falam perto dos filhos. O pensamento do brasileiro quanto à essa questão não é uniforme, graças à Deus. Quando era criança, em casa nunca houve distinção. Eu tive a Elisa, minha babá que era negra e que possuo muitos valores recebidos por ela. Minha mãe a tratava como uma amiga e quando ela morreu, todos nós sentimos. Minha mãe perdeu a amiga, eu perdi minha segunda mãe. Perdi outras pessoas que foram importantes para mim e por acaso eram negras. Eu lembro de sofrer censura de pais de amigas porque tinha amizade com negros. Mas nada muito sério. Fui sentir o preconceito quando vim morar no Rio. Perto de Rio, Minas não possui negros. A população de negros no Estado do Rio é bem maior e o preconceito também. Nunca vi tanto preconceito junto, tanto os de raça quanto de classe. Acho que antes eu vivia em uma redoma, só pode!
    Escrevi demais, mas deixa estar!! Sei que foi somente no Rio que eu conheci o preconceito aos negros em sua essência. O que parece moderno, é na verdade a reverberação de um povo muito cheio de falares mas pouco pensares.
    Beijus,

    ResponderExcluir
  2. Luma!

    Seu texto deveria ser acrescido ao meu, para explicar melhor e com mais detalhes os problemas que a escravidão deixou como herança. E com conhecimento de causa! Afinal, seu tio-avô era abolicionista! Em casa também não havia muito preconceito, numa época em que a maioria das empregadas domésticas ainda era de mulheres negras. Lembro de uma - Atanay - que ia se casar e meus pais deram tudo: vestido, sapatos, buquê, etc. e ela saiu lá de casa, em seu belo vestido de noiva, direto para a igreja, levada pelo meu pai. Hoje, com oitenta e oito anos, infelizmente, minha mãe mostra sinais de preconceitos que ainda me espantam. Será que ela era preconceituosa e escondia isso? Ou será que a idade fez com que se esquecesse dos atos e gestos de antigamente e, agora, coloque isso para fora? São tantas as variáveis que até me confundo um pouco... mas também o texto já foi postado há dez dias! Tá na hora de pensar em outro tema...
    Obrigado pela visita e pelo comentário.

    Beijo.

    ResponderExcluir
  3. Oi Zeca,
    esse tema Escravidão dá pano para mangas. Será que não somos todos escravos de preconceitos, independente da cor da pele? Em variadissimos comportamentos somos escravos do inconsciente coletivo. Há que aprofundar o conhecimento de nós mesmos para avaliar até que ponto somos verdadeiros na igualdade. Trazer à consciência, a inconsciência da desigualdade.

    À parte do seu maravilhoso texto, venho avisar que dia 7 de DEZ é Teia Ambiental mas este mês não vou participar, pois estou com o tempo pouco disponivel para blogar. Mas como havia lhe prometido, vim dar uma satisfação.
    Abraço.
    Rute

    ResponderExcluir
  4. Oi, Rute!

    O tema é mesmo muito vasto e envolve tantas variáveis que muitos estudiosos continuam debruçados sobre dados, pesquisas, história sem chegar a lugar algum. Todos os dias fatos novos somam-se a fatos passados e novos olhares podem ser lançados sobre tudo isso. E claro que todos nós temos nossas partes. Basta olharmos para nossos umbigos e refletirmos um pouco. Se não fomos alvos de algum tipo de preconceito, fomos nós os preconceituosos. Em maior ou menor grau. Estamos muito distantes da perfeição, talvez jamais a alcancemos...
    Já com relação à Teia Ambiental, também sinto não poder participar desta vez, mas as coisas por aqui estão correndo de tal forma que meu tempo também anda extremamente curto. E sem tranquilidade fica difícil criar alguma coisa boa. Não há de faltar oportunidade!

    E não posso deixar de agradecer sua atenção e gentileza em avisar-me. Obrigado!

    Abraço.

    ResponderExcluir