Às vezes eu
penso...
Virando uma esquina hoje,
perto de casa, tive a sensação de estar sendo observado por alguém. Olhei para
trás e vi a banca de jornais e revistas, sem ninguém por perto, apenas o dono
da banca, sentado em seu banquinho, entretido na leitura de um jornal. Será que
ele estava me observando, disfarçadamente e, quando olhei para trás, escondeu o
rosto atrás do jornal aberto? Como nos filmes de aventuras. Segui o meu caminho
mas a sensação permanecia. Depois de uns vinte, trinta metros, olhei para trás
novamente. A banca de jornais já havia sumido atrás da esquina. Ninguém mais à
vista, a não ser os motoristas dos carros que passavam por mim, mas nenhum
deles devagar o suficiente para estar me observando. Será que estou ficando
louco? Desenvolvendo algum tipo de neurose? Como posso me sentir vigiado se não
vejo ninguém por perto? Será que já inventara m a invisibilidade e eu não
fiquei sabendo? Continuei meu caminho, meio cabreiro, olhando para os lados,
para trás de vez em quando e... nada! Ninguém me seguindo, nenhuma pessoa
andando pela mesma calçada ou mesmo pela calçada do outro lado da rua. Aliás, a
rua estava estranhamente vazia, não fossem os automóveis que passavam por mim
na direção contrária, a impressão era a de um dia depois do fim do mundo, onde
eu fosse o único sobrevivente. Quase dava para ouvir meus próprios passos na
calçada, não fosse ela esburacada, como a maioria das calçadas de São Paulo,
que me obrigava a andar devagar, olhando para onde iria pisar... por pouco não
pisei num cocô de cachorro! Esse povo mal educado que sai com seus cães para
fazerem as necessidades fisiológicas na rua mas não levam o necessário para
recolher as fezes e jogá-las na lixeira mais próxima! Finalmente, cheguei em
casa! Quer dizer: cheguei ao prédio onde moro! Fui recebido com o sorriso
mecânico do porteiro, que abriu os portões e grades que nos aprisionam e
trocamos um comentário gentil sobre o calorão que tem feito ultimamente. Como
se já não estivéssemos em pleno verão! Entrei no elevador e o espelho retribuiu
meu olhar meio envergonhado, pois todo mundo quando entra num elevador e não
tem mais ninguém dentro, dá uma olhadinha no espelho! Ou não dá? A sensação de
estar sendo vigiado misturou-se com a reprodução da minha imagem no espelho.
Aquele cara não parecia comigo em nada! Era um sujeito meio gordinho, com pneus
e barriga saliente, cabelos grisalhos denunciando os muitos anos de vida e a
barba mal feita, ou feita há dois ou três dias! Eu não sou ele! Preciso falar
com a síndica para que verifique o espelho do elevador, que está com algum tipo
de defeito, distorcendo tanto as imagens que acabamos vendo outra pessoa do
outro lado do vidro. Será ele que anda me vigiando por aí? Mas, não! Não posso
falar com a síndica, senão ela vai descobrir que eu também, homem já feito, com
certa idade, costumo dar uma olhadinha no espelho do elevador. Melhor ficar
quieto. Pronto, cheguei ao meu andar. Saio do elevador e dou de cara com o
faxineiro passando um pano molhado com um produto extremamente perfumado no
chão. O aroma do produto é tão forte que me provoca espirros. “Saúde, doutor!”
“Obrigado, meu filho!” Enfio a chave na fechadura, confiro o número na plaquinha
pra ver se não estou abrindo a porta errada e, após girá-la, entro para o
conforto do meu lar. A sensação de estar sendo observado, curiosamente,
desaparece assim que fecho a porta.