Afinal, somos racistas?
Cabrochas - Iara Teixeira
No dia 20 de novembro se comemora, no Brasil, o Dia da Consciência Negra. Nessa data morreu Zumbi dos Palmares, em 1695, e foi escolhida para lembrar a resistência dos negros à escravidão de forma geral, e a luta contra o preconceito e a discriminação. Afinal, os quilombos representavam a resistência ao sistema escravista e, neles, se mantinha a cultura africana e, por essa cultura e pela liberdade do seu povo foi que Zumbi lutou até a morte.
Os brasileiros, com seu jeitão descontraído e alegre, costumam dizer com orgulho, que não são preconceituosos. Se fizermos algumas perguntas mais capciosas, talvez esse preconceito que costuma ser negado venha à tona e denuncie que, sim, somos preconceituosos.
Por exemplo, se perguntarmos como as pessoas vêm os homens negros, certamente boa parte delas dirá que são sensuais, bem dotados, bons reprodutores. Ou então, falarão sobre a imagem do malandro, do ladrão, do traficante. Sobre as mulheres negras, logo surgirão imagens de belas mulheres, com corpos esculturais, sensuais, sedutoras, tão exploradas pela mídia e pelas propagandas. Podem também ser lembradas como empregadas domésticas ou como as funkeiras que dançam sensualmente, abaixando-se até o chão.
Isso se explica, em parte, devido ao período da escravidão, onde os homens eram direcionados para os trabalhos na lavoura e os mais novos, mais fortes e até mesmo melhores dotados eram usados como garanhões reprodutores. As mulheres faziam todo o trabalho doméstico, além de amamentarem e cuidarem dos filhos das sinhás e as mais bonitas, geralmente eram abusadas pelos seus “senhores”; ou então, os seduziam com seus encantos, como um artifício de sobrevivência. Daí, simplificadamente, surge o estereótipo do homem bem dotado e mais sensual, assim como o da mulher sedutora, fogosa, pronta para o sexo, até mesmo em troca de bens ou de dinheiro. Com a abolição da escravidão nada foi feito para inserir os ex-escravos na sociedade e o que lhes restou foram os trabalhos subalternos e domésticos, mal remunerados e sem direito ao estudo e ao conhecimento, como se fosse uma extensão do período de escravidão. Essa situação perdura até hoje, embora em meados do século passado começaram a surgir alguns movimentos em prol de mudanças nessas relações.
O senhor das terras adentrou na senzala,
e ordenou que a escrava recém-chegada
fosse, naquela noite, esquentar seu corpo,
ainda moço e pleno de volúpia retesada,
enquanto a sinhá pernoitava noutra plaga.
e ordenou que a escrava recém-chegada
fosse, naquela noite, esquentar seu corpo,
ainda moço e pleno de volúpia retesada,
enquanto a sinhá pernoitava noutra plaga.
De lá para cá, devido à luta empreendida por esses movimentos, os negros começaram a encontrar algumas oportunidades de estudo ou de trabalho e, gradativamente, alguns poucos conseguiram destacar-se, ainda que timidamente, na sociedade. Só que, até os dias atuais, muitas pessoas ainda sofrem gestos ou atos de preconceito e discriminação embora, atualmente, existam leis de proteção aos oprimidos. Muitas vezes as pessoas agredidas ou humilhadas não fazem valer os seus direitos e os agressores ficam com a sensação da impunidade.
Se não houvesse mais preconceitos, não haveria necessidade de destacar um dia do calendário para comemorar essa data, já que nem se pensaria em qualquer tipo de desigualdade entre as pessoas de pele branca, preta ou de qualquer outra cor. Os negros ainda são vistos, por muitas pessoas, como pessoas inferiores, com menos caráter, prontas para se dar bem a qualquer custo, sem levar em conta que grande parte dos bandidos que cumprem penas atrás das grades, outros procurados pelos seus crimes e muitos impunes por aí, têm a pele branca, diploma pendurado na parede e são bem relacionados socialmente e até usufruem das benesses de mandatos políticos, conseguidos através do apoio e do voto popular.
Diante de tudo isso, podemos constatar a importância das comemorações nessa data, para a reflexão e a conscientização da importância do povo africano e de sua cultura na formação cultural do povo brasileiro. Essa influência é clara nos quesitos religião e gastronomia, mas existem também os aspectos políticos e sociais que fazem parte desde sempre da vida brasileira. E o reconhecimento do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, como um dos heróis brasileiros é mais do que justo, pois ele é, entre outros ainda não reconhecidos, um dos verdadeiros heróis que se impuseram, pela bravura, consciência e perseverança, na formação da história nacional.